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O que acontece com as redes sociais em caso de falecimento?

Herança digital

Você já refletiu sobre o que acontece com os perfis de redes sociais quando alguém falece? O tema, conhecido como herança digital, ainda é pouco discutido, mas ganha cada vez mais relevância no Direito de Família e Sucessões, já que nossas vidas estão cada vez mais armazenadas em ambientes virtuais.

Fotos, vídeos, mensagens, contatos, senhas, arquivos em nuvem e até perfis monetizados compõem esse patrimônio digital. Em alguns casos, trata-se de um acervo de enorme valor afetivo, guardando lembranças únicas. Em outros, pode envolver valores econômicos significativos, como ocorre com influenciadores, criadores de conteúdo e profissionais que utilizam a internet como principal meio de trabalho.

O que diz a lei?

O Código Civil brasileiro não traz regras específicas sobre bens digitais. O que temos é a norma geral do art. 1.784:

“Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. ”

Na prática, isso significa que todo patrimônio – material ou imaterial – integra a herança. Entretanto, surge a dúvida: como aplicar essa regra quando o acervo está em servidores de empresas estrangeiras, protegidos por senhas e cláusulas de privacidade?

Outro complicador é que cada plataforma possui suas próprias políticas internas:

  • Facebook e Instagram: permitem transformar o perfil em memorial ou solicitar a exclusão.

  • Google: oferece o “Gerenciador de Conta Inativa”, em que o usuário define previamente o destino dos dados.

  • WhatsApp: a conta é desativada após período de inatividade.

Sem manifestação prévia do falecido, familiares enfrentam dificuldades para acessar, preservar ou encerrar perfis.

Avanço da jurisprudência

A ausência de lei específica tem levado os tribunais a construir soluções caso a caso. E recentemente tivemos um marco importante. Em setembro de 2025, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 2.124.424, criou a figura do “inventariante digital”.

O caso envolvia o falecimento de seis pessoas de uma mesma família em um acidente aéreo, cujos herdeiros buscavam acesso aos tablets das vítimas. A relatora, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a necessidade de equilibrar o direito sucessório com a proteção da intimidade. Assim, determinou que um inventariante digital – profissional com conhecimento técnico, nomeado como auxiliar do juízo – fosse responsável por identificar bens de valor econômico ou afetivo nos dispositivos, sem violar dados estritamente pessoais.

Essa decisão representa um passo decisivo na regulamentação judicial da herança digital no Brasil. Ainda que não exista lei específica, o STJ sinaliza que o acesso aos bens digitais deve respeitar tanto os direitos dos herdeiros quanto a dignidade e a privacidade do falecido.

Como se prevenir?

Diante desse cenário, o planejamento é a chave. Algumas medidas podem evitar conflitos:

  1. Testamento ou escritura de planejamento sucessório – É possível incluir cláusulas sobre o destino de contas digitais e senhas.

  2. Ferramentas das próprias plataformas – Como o “Gerenciador de Conta Inativa” do Google.

  3. Registro organizado de acessos – Guardar senhas em cofres digitais seguros, com indicação de pessoa de confiança para administrá-los.

  4. Instruções claras à família – Quanto mais transparente for a vontade do titular, menor o risco de litígios.

Conclusão

A herança digital mostra que a sucessão, hoje, vai muito além de imóveis, carros ou contas bancárias. Ela envolve também nossa identidade virtual, nossas memórias e, em muitos casos, nossas fontes de renda.

No silêncio da lei, coube ao STJ dar o primeiro passo ao criar o inventariante digital, reconhecendo que o patrimônio digital precisa de tratamento jurídico próprio.

Planejar é, portanto, um gesto de cuidado com quem fica. Afinal, assim como organizamos nossa herança patrimonial, também devemos pensar no destino da nossa presença digital.


Gislaine Comparsi – OAB/RS 135.384

@gislainecomparsi.adv

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