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O imóvel está só no nome do meu cônjuge: tenho direito? Entenda a herança de bens registrados por apenas um cônjuge

A perda de um cônjuge é um momento de profunda dor e vulnerabilidade. Em meio ao luto, surgem preocupações práticas e jurídicas que podem gerar grande ansiedade, especialmente quando envolvem o patrimônio construído ao longo de uma vida. Uma das dúvidas mais comuns é: "O imóvel que moramos está registrado apenas no nome do meu falecido esposo (a). Eu e meus filhos corremos o risco de perder tudo?"

Essa é uma preocupação legítima, mas é fundamental entender que, na maioria dos casos, o nome no registro de um imóvel ou de outro bem não é o fator determinante para definir seus direitos. A legislação brasileira protege a família e o cônjuge sobrevivente.

O Regime de Bens como Fator Decisivo na Partilha

O primeiro e mais importante ponto a compreender é que a titularidade formal de um bem (em nome de quem ele está registrado) não se sobrepõe ao que foi definido pelo regime de bens do casamento ou da união estável. É o regime de bens que estabelece a regra sobre a comunicação ou não do patrimônio durante a relação e, consequentemente, como ele será dividido em caso de falecimento.

Muitos casais, por praticidade ou costume, acabam registrando imóveis, veículos e outros bens no nome de apenas um dos cônjuges, mesmo que a aquisição tenha sido fruto do esforço comum. Juridicamente, isso não anula o direito do outro.

Análise do Regime de Comunhão Parcial de Bens (Regra Geral)

Quando o casal não escolhe um regime de bens específico por meio de um pacto antenupcial, a lei estabelece automaticamente o regime da comunhão parcial de bens. Este é o regime mais comum no Brasil, e suas regras são centrais para entender a partilha.

Nesse regime, tudo o que foi adquirido onerosamente (comprado) durante o casamento pertence a ambos, em partes iguais (50% para cada), não importando em nome de quem o bem foi registrado ou quem efetivamente pagou por ele.

Bens Adquiridos na Constância do Casamento

Vamos a um exemplo prático: João e Maria se casaram em 2010 sob o regime da comunhão parcial. Em 2018, eles compraram um apartamento, financiado com os rendimentos do trabalho de João. Por conveniência, a escritura e o registro do imóvel foram feitos exclusivamente em nome dele. Em 2025, João, infelizmente, vem a falecer.

Como fica a situação de Maria? Apesar de o apartamento estar apenas no nome de João, ele foi adquirido durante o casamento. Portanto, é considerado patrimônio comum do casal. Maria tem direito a 50% deste imóvel. Essa parte dela é chamada de meação. Os outros 50%, que pertenciam a João, compõem a herança, que será partilhada entre os herdeiros.

O Patrimônio Particular e Suas Exceções na Partilha

O regime da comunhão parcial também prevê os "bens particulares", que são aqueles que não se comunicam e pertencem exclusivamente a um dos cônjuges. São eles:

·               Bens que cada um já possuía antes de se casar.

·               Bens recebidos por doação ou herança, mesmo que durante o casamento.

·               Bens comprados com dinheiro da venda de um bem particular (sub-rogação).

Exemplo: Se, durante o casamento, Maria recebeu de herança uma casa de seus pais, essa casa é um bem particular dela. Se ela falecer, João não terá direito à meação sobre este imóvel, mas poderá participar da sucessão como herdeiro.

A Diferença Fundamental entre Meação e Herança

É aqui que reside uma grande confusão. Meação e herança não são a mesma coisa.

·               Meação: É o direito do cônjuge a 50% do patrimônio comum do casal. Não é herança; é um direito que já era seu, decorrente do regime de bens.

·               Herança: É o patrimônio deixado pelo falecido (os 50% dele nos bens comuns + 100% dos seus bens particulares) que será dividido entre os herdeiros.

No regime de comunhão parcial, o cônjuge sobrevivente tem direito à meação sobre os bens comuns e também é considerado herdeiro necessário sobre os bens particulares do falecido, concorrendo com os filhos, se houver. Essa é uma proteção fundamental garantida por lei e consolidada pelos tribunais.

Breves Considerações Sobre Outros Regimes de Bens

Outros regimes têm regras diferentes que impactam diretamente a herança de bens em nome de um cônjuge:

·               Comunhão Universal de Bens: Neste regime, todo o patrimônio, presente e futuro (incluindo heranças e doações), pertence ao casal. Com o falecimento, o cônjuge sobrevivente tem direito à meação (50%) de tudo, mas não é herdeiro se houver filhos.

·               Separação Total de Bens: Aqui, não existe patrimônio comum. Cada cônjuge é dono exclusivo de seus bens. O cônjuge sobrevivente não tem direito à meação, mas é herdeiro necessário e concorre na herança com os descendentes sobre todo o patrimônio do falecido.

Conclusão

Enfrentar questões patrimoniais em um momento de luto é, sem dúvida, um desafio. Contudo, o ponto fundamental a ser retido é que os direitos sucessórios são definidos primariamente pelo regime de bens que orientou a vida do casal, e não apenas pelo nome que consta em uma escritura ou registro. A legislação brasileira estabelece uma rede de proteção ao cônjuge sobrevivente, reconhecendo a união de vidas e o esforço conjunto na construção do patrimônio familiar.

 

Gislaine Comparsi

OAB/RS 135.384

@gislainecomparsi.adv

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