Contratos de multipropriedade: você sabe o que está assinando?
- Ferranti Bianchini Advocacia
- 26 de mai.
- 3 min de leitura
Você já viajou com a sua família para um destino turístico e foi abordado por alguém oferecendo um brinde? Pode ser um almoço gratuito, um ingresso para um parque, uma massagem relaxante ou até uma hospedagem sem custo. Tudo o que pedem em troca são “alguns minutos do seu tempo” para ouvir uma proposta “imperdível”.
Essa abordagem costuma parecer inofensiva e simpática, mas esconde uma estratégia comercial cuidadosamente montada: fazer com que você permaneça em uma apresentação longa, envolvente e emocionalmente intensa, até que acabe assinando um contrato de multipropriedade sem compreender totalmente o que está adquirindo.
A multipropriedade é um modelo de aquisição em que o consumidor compra uma fração de um imóvel, geralmente em cidades com alto potencial turístico. Em vez de ser dono exclusivo, você compartilha o imóvel com vários outros proprietários e tem direito a usá-lo por um período limitado no ano, normalmente algumas semanas ou um mês. Em tese, parece uma forma econômica de viajar com conforto, mas, na prática, muitos consumidores se arrependem logo depois de entenderem as condições reais do contrato.
Durante as apresentações de venda, são feitas promessas de valorização do imóvel, facilidade para revender ou alugar a fração. O clima é sempre positivo, cuidadosamente construído com linguagem envolvente, distribuição de brindes e um discurso emocional voltado à ideia de conquista e sucesso. Com isso, o consumidor é conduzido por uma sequência de argumentos persuasivos, apresentados por profissionais treinados para gerar confiança imediata e um senso de urgência artificial.
Essas técnicas de venda disfarçadas de simpatia e acolhimento, são extremamente persuasivas e, não raro, abusivas, com capacidade de levar o consumidor a assinar um contrato sem perceber, naquele momento, que está sendo pressionado e influenciado emocionalmente. A pessoa vai sendo envolvida pouco a pouco, sem tempo para refletir com clareza, e antes que perceba, está comprometida com um contrato que sequer leu por completo e, em muitos casos, sem sequer receber uma cópia para análise posterior.
O problema começa depois, quando iniciam as cobranças de taxas mensais, os boletos das despesas condominiais, as dificuldades para agendar a estadia e, em muitos casos, a percepção de que o que foi prometido não se concretizou. Quando o consumidor tenta cancelar o contrato, é surpreendido com multas altíssimas de 50% ou mais do valor total do contrato. E mesmo após manifestar seu desejo de sair, as cobranças continuam chegando, gerando ansiedade e sensação de impotência.
Esse tipo de situação, infelizmente, tem se tornado comum. Muitos consumidores relatam contratações sob pressão, já cansados depois de horas em uma apresentação, com a promessa de que poderiam “desistir a qualquer momento”, o que depois não se confirma.
É importante saber que, nesses casos, o Código de Defesa do Consumidor protege o comprador. A imposição de cláusulas abusivas, como multas desproporcionais, a falta de informação clara e a indução ao erro podem ser reconhecidas judicialmente como vício de consentimento, o que torna o contrato passível de anulação. Além disso, é possível pedir a devolução dos valores pagos e até indenização por danos morais, caso fique demonstrado o sofrimento e o constrangimento causados ao consumidor.
Uma das alternativas mais comuns é a tentativa de rescisão amigável, por meio da notificação formal da empresa, expondo os motivos e solicitando o encerramento do vínculo. No entanto, como muitas dessas empresas dificultam esse processo ou impõem multas exorbitantes, a via judicial se torna a única alternativa. Pela jurisprudência atual, os tribunais têm reconhecido que multas superiores a 25% do valor pago são abusivas e que o consumidor tem o direito de rescindir o contrato e receber de volta o que pagou, descontando-se apenas os valores correspondentes ao período de uso do imóvel.
Diante da gravidade desse tipo de situação, essa prática de venda está sendo alvo de investigações e ações judiciais em várias partes do país. Consumidores vêm recorrendo à Justiça para fazer valer seus direitos e se libertar de contratos que nunca quiseram, assinados em circunstâncias abusivas. Ninguém deve se sentir culpado por ter sido envolvido em uma situação como essa, afinal, trata-se de uma prática estruturada, pensada justamente para convencer em momentos de vulnerabilidade do consumidor.
Se você está nessa situação, ou conhece alguém que esteja, o primeiro passo é buscar orientação jurídica. Um contrato injusto pode ser contestado. Você tem o direito de ser informado com clareza, de decidir com liberdade e, principalmente, de não ser mantido em um vínculo que lhe causa prejuízos financeiros e emocionais.
Morgana Pelicioli
OAB/RS 129.521
Instagram @morganapelicioli.adv

