Revisão obrigatória em concessionária para manter a garantia: mito ou verdade?
- Ferranti Bianchini Advocacia

- há 12 minutos
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Quem compra um carro zero quilômetro costuma receber, junto com o veículo, uma série de orientações sobre manutenção e cuidados. Entre elas, uma das mais repetidas pelas concessionárias é a suposta obrigatoriedade de realizar todas as revisões apenas na rede autorizada para não perder a garantia. Essa afirmação, que muitos consumidores tomam como verdade absoluta, não é tão simples quanto parece. Na prática, trata-se de uma interpretação distorcida que costuma beneficiar mais a concessionária do que o dono do veículo, e que gera dúvidas importantes sobre os direitos do consumidor.
A questão central é entender o que a garantia realmente protege. A chamada “garantia contratual”, oferecida pelas montadoras, cobre defeitos de fabricação por um período determinado. Para que essa garantia seja válida, o consumidor precisa cumprir algumas condições mínimas, como trocar óleo no tempo correto, usar peças compatíveis e manter a manutenção básica do veículo em ordem. No entanto, a lei não exige que essas revisões sejam obrigatoriamente feitas na concessionária. O que importa é que o proprietário consiga demonstrar que a manutenção foi realizada de forma adequada e dentro das recomendações do fabricante, não o local onde ela foi feita.
Esse entendimento é reforçado pelo Código de Defesa do Consumidor, que proíbe práticas abusivas e cláusulas que limitem direitos de forma injustificada. Obrigar o consumidor a usar exclusivamente a rede autorizada como condição para manter a garantia é considerado uma imposição desproporcional, já que restringe a liberdade de escolha e, muitas vezes, impõe custos mais elevados. Em outras palavras, a revisão em concessionária não é obrigatória por si só, o que é obrigatório é que o serviço seja feito corretamente.
Para manter a proteção da garantia mesmo realizando a revisão em oficina de confiança, o consumidor precisa guardar provas. Nota fiscal detalhada, registro dos serviços executados, especificação do óleo utilizado e indicação de peças substituídas são documentos importantes para demonstrar que o veículo recebeu a manutenção adequada. Se o carro apresentar defeito de fabricação dentro do prazo de garantia, a montadora não pode se recusar a atender o consumidor apenas porque o serviço foi feito fora da rede autorizada. Para negar o reparo, a empresa deve comprovar que o defeito decorre de erro da oficina independente e não de falha do produto.
É justamente aqui que muitos consumidores se confundem. A concessionária costuma dar a impressão de que qualquer manutenção fora da rede fará o cliente perder todos os direitos, o que não corresponde à realidade jurídica. A garantia só pode ser limitada quando o defeito estiver diretamente relacionado ao serviço executado por terceiro. Se a suspensão apresenta ruído, por exemplo, a montadora não pode negar o reparo alegando que a troca de óleo foi feita fora da concessionária. Essa prática, além de invasiva, fere o equilíbrio da relação de consumo.
No entanto, há uma diferença importante entre obrigatoriedade e conveniência. Fazer a revisão na concessionária pode ser vantajoso em alguns casos, especialmente quando envolve atualizações técnicas, campanhas internas ou serviços que dependem de equipamentos específicos do fabricante. Mas isso é uma escolha do consumidor, não uma imposição legal. E, quando existem opções mais acessíveis ou mais confiáveis fora da rede autorizada, a lei garante a liberdade de escolha sem prejuízo da garantia.
Na prática, o que o consumidor precisa é de informação clara. Saber que a revisão obrigatória em concessionária é mais mito do que verdade permite tomar decisões mais conscientes, evitando gastos desnecessários e garantindo a proteção dos seus direitos. Caso a montadora ou a concessionária neguem atendimento sob alegação indevida de perda de garantia, a orientação jurídica pode ajudar a esclarecer a situação, exigir o cumprimento da garantia contratual e evitar prejuízos ao proprietário do veículo.
Comprar um carro novo deveria trazer tranquilidade, e não insegurança sobre regras pouco explicadas. Conhecer seus direitos é a chave para garantir um uso correto do veículo e evitar práticas abusivas no mercado de pós-venda.
Morgana Pelicioli
Advogada OAB/RS 129.521
@morganapelicioli.adv




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