As milhas e pontos de programas de fidelidade entram no inventário e devem ser partilhados?
- Ferranti Bianchini Advocacia

- 13 de out.
- 2 min de leitura
Nos últimos anos, os programas de fidelidade deixaram de ser simples estratégias de marketing e passaram a representar verdadeiros ativos patrimoniais. As milhas e os pontos acumulados junto a companhias aéreas, bancos e empresas de diversos setores hoje possuem valor econômico concreto sendo possível trocá-los por passagens, produtos, hospedagens e até utilizá-los como forma de pagamento.
Não à toa, muitas empresas oferecem a compra direta de pontos e milhas, o que demonstra que eles podem ser adquiridos mediante contraprestação financeira.
Mas surge uma dúvida cada vez mais comum: essas milhas e pontos devem ser incluídos no inventário e partilhados entre os herdeiros?
1. A transmissão da herança e os bens digitais
O Código Civil, no seu artigo 1.784, estabelece que:
“Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. ”
Isso significa que, no momento do falecimento, todo o patrimônio do falecido inclusive, bens intangíveis e digitais são automaticamente transferidos aos herdeiros.
Assim, se as milhas têm valor econômico real e podem ser utilizadas ou convertidas em bens e serviços, não há razão para deixá-las fora do inventário.
2. O que dizem os tribunais e a doutrina
O tema ainda é recente e vem despertando debates.
Em 2022, o Superior Tribunal de Justiça analisou o assunto no REsp 1.878.651/SP e decidiu que as milhas obtidas gratuitamente, aquelas concedidas apenas como bônus por consumo, sem pagamento, não deveriam ser partilhadas.
O Tribunal entendeu que, nesse caso, as milhas teriam caráter pessoal, sem valor patrimonial direto.
Contudo, é importante destacar que esse entendimento se limita às milhas gratuitas.
O próprio mercado mostra que existem milhas adquiridas de forma onerosa (pagas em dinheiro) ou transferíveis, com valor de mercado.
Nessas situações, elas possuem natureza patrimonial e, portanto, devem ser consideradas parte do acervo hereditário.
A jurista Thatiane Gonçalves reforça essa visão ao afirmar que:
“ As milhas aéreas representam um ativo digital com caráter essencialmente econômico. Companhias aéreas e sociedades especializadas no mercado de milhas oferecem, em seu modelo de negócio, a possibilidade de permuta de milhas por passagens aéreas, reservas de hotéis, locação de veículos, entre outros produtos e serviços. É possível também a utilização de milhas como forma de pagamento na aquisição de variados bens corpóreos.”
A doutrina majoritária, como Maria Berenice Dias, também defende que o Direito das Sucessões precisa acompanhar a realidade tecnológica, reconhecendo que bens digitais, como as milhas, têm valor econômico e podem ser transmitidos aos herdeiros.
3. Como tratar as milhas no inventário
Na prática, é importante que o inventariante verifique se o falecido possuía cadastro em programas de fidelidade e, em caso positivo, peça um extrato atualizado do saldo de pontos ou milhas.
Comprovada a existência de valor econômico, especialmente quando as milhas foram compradas, transferidas ou utilizadas como meio de pagamento, elas devem entrar no inventário e ser partilhadas.
Gislaine Comparsi
OAB/RS 135.384
@gislainecomparsi.adv





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