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Um novo olhar para o direito de família - Superando questões polêmicas

Atualizado: 30 de jul. de 2021


O Direito de Família, ao longo dos últimos anos, vem sofrendo grandes e profundas mudanças, com vistas a acompanhar os novos anseios da sociedade. Assim como juízes e promotores, os advogados precisam voltar o seu olhar não apenas para o interesse de seus clientes, mas para o melhor interesse de quem normalmente está mais vulnerável nas relações familiares: as crianças.


Assim, como advogada atuante nesta área, ouço diariamente, assim como muitos outros profissionais também devem ouvir, indagações que demonstram o quanto alguns conceitos do direito de família precisam ser desmistificados e, velhas crenças, superadas. E porque não esclarecer algumas delas?


“Eu quero a guarda do meu filho só pra mim!”

Essa é uma das frases que os advogados que trabalham na área do Direito de Família mais escutam, mas o que já foi prática comum, lutar pela guarda unilateral para nosso cliente, hoje deve ser uma decisão precedida de uma pergunta: “Porque a guarda unilateral será melhor para a criança?”


Se for difícil responder essa pergunta ou se a resposta vier acompanhada de uma justificativa embasada exclusivamente a questões ligadas a um relacionamento frustrado, talvez deva ser o momento de desconstruir tal pensamento.


O Código Civil (Lei 10.406/02), quando expõe o conceito de guarda, no §1º do Art. 1.583 esclarece: “§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.”


A guarda compartilhada nasceu para que ambos os pais tenham sim, os mesmo direitos, mas principalmente, os mesmos deveres! Não é porque houve uma separação que a criança passará a ser responsabilidade de apenas um dos pais e, sem dúvidas, na grande maioria dos casos, fazer com que ambos os pais sejam responsáveis pela criação dos filhos é extremamente benéfico para as crianças.


Ambos os genitores devem ir a reunião da escola, devem acompanhar a consulta médica, devem se fazer presentes no momento de tomar decisões sobre o desenvolvimento da criança e isso é exercer a guarda! Portanto, deve-se superar a crença de que a guarda unilateral é a melhor opção, ainda porque, a realidade é que, na grande maioria das vezes, a guarda destinada a apenas um dos pais representa uma grande sobrecarga ao genitor que sempre será acionado e terá que resolver tudo sozinho.


“Mas se a guarda for compartilhada, a criança vai morar um dia na casa do pai e outro na casa da mãe?”

Novamente, essa é uma crença que precisa ser superada. A guarda compartilhada não veio para criar “crianças mochilinhas” que ficam sendo carregadas de um lado para outro. Não importa qual a modalidade de guarda escolhida, toda criança deve ter um lar de referência, ou seja, um endereço.


Vale a pena novamente lembrar o que a lei nos diz: “Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos. (Lei 10.406/02, Art. 1.583, § 3º)”


A própria lei já esclarece que na guarda compartilhada deve existir uma base de moradia, ou seja, mesmo que os pais residam em cidades distintas, podem optar pelo exercício da guarda em conjunto, pois, de fato, a criança irá morar com apenas um dos pais. Diante disso, um genitor representará a base de moradia e o outro genitor terá direito à convivência / visitação.


Ainda, oportuno mencionar que a convivência pode ser livre ou convencionada entre os pais, ou seja, dentro da realidade da criança e dos genitores, pode haver uma combinação sobre os horários de visitação tanto aos finais de semana, quanto feriados, aniversários, dia dos pais, dia das mães etc., principalmente porque é extremamente saudável que as crianças tenham uma rotina e faz com que os genitores possam programar seus afazeres com mais facilidade.


Assim, essa história de que na guarda compartilhada não podem ser estipuladas regras e a criança não terá endereço, é mito!


“E se a guarda for compartilhada, não precisa pagar pensão?”

Este é uma inverdade amplamente difundida entre as pessoas leigas e acaba causando aversão pelo genitor que normalmente é responsável pela administração da vida financeira da criança, pois muitas pessoas acreditam que, se ambos os pais tem a guarda, cada um deverá arcar com os custos provenientes do tempo em que a criança passar na casa de cada um.


Na prática, quando fala-se de filhos menores, normalmente um dos pais detém o dever de gerir a vida financeira da criança e o outro pai tem o dever de pagar um valor mensal para auxiliar no sustento.


Porém, apesar de chamarmos de “pensão alimentícia” este auxílio financeiro não é apenas para alimentos / comida propriamente dita, mas é necessário para financiar todo o necessário para o desenvolvimento saudável da criança, sendo capaz de cobrir gastos com vestimenta, higiene, saúde, educação e lazer.


Assim, na prática, torna-se inviável cada um dos genitores arcar com os gastos provenientes de quando estiverem em companhia da criança, por isso, ainda que a guarda seja compartilhada, pode-se (e deve-se) fixar o pagamento de pensão, sendo que um dos pais é responsável por administrar a vida financeira, normalmente o mesmo que exerce a base de moradia e, o outro, por alcançar um valor mensal. Ou seja, mesmo na guarda compartilhada, existe, sim, a fixação de pensão alimentícia.


“Mas meu ex nunca foi um bom pai / minha ex nunca foi uma boa mãe, preciso deixar conviver com meu filho?”

Essa é outra questão polêmica que vem à tona no momento da separação do casal e sempre faz com que muitas pessoas optem por requerer a guarda unilateral, acreditando que desta forma, poderá privar a convivência da criança com o outro genitor.


Outrossim, não importa se a guarda é unilateral ou compartilhada, todo pai/mãe tem direito de conviver com sua prole, assim como, toda criança, tem direito de ter ambos os pais presentes em sua vida.


Só será possível restringir o acesso de um genitor à seus filhos em situações muito excepcionais, sendo necessária a comprovação de que este genitor, por exemplo, atentou criminalmente contra a saúde, segurança ou bem estar da criança e/ou causou graves prejuízos à sua integridade e desenvolvimento saudável.


Importante frisar que, com o advento da Lei 12.318/10, dificultar o contato do genitor com a criança, impedir a convivência e justificar tais atos se utilizando de campanhas de desqualificação do outro genitor são atos considerados como Alienação Parental podendo gerar multa, alteração da guarda e até mesmo responsabilização criminal.


Assim, na prática, apesar de que quem detém a guarda unilateral ser responsável sozinho pelos direitos e deveres advindos do poder familiar, o direito à convivência sempre será garantido, pois, ainda que o outro genitor possa não ter sido um bom marido/esposa/companheiro, tem o direito de tentar ser um bom pai/mãe.


“Mas na pandemia eu posso proibir a convivência do meu filho com o pai/mãe?”

Finalizando, uma questão polêmica e bem atual é a prática de muitos genitores que passaram a proibir a convivência em razão da pandemia, alegando fazê-la por segurança.

Se houver um acordo entre os pais, a convivência poderá sim passar a ser mais restrita, cabendo ao bom senso de cada genitor. Outrossim, a proibição de forma arbitrária jamais deve ocorrer por, como mencionado acima, poder caracterizar um ato de alienação parental.

Assim, caso não hajam provas concretas de que o genitor expõe a criança a graves riscos, não deve-se proibir o acesso / visitação, mesmo durante a pandemia!


“O papel do advogado.”

O advogado atuante na área do Direito de Família hoje, muito mais do que um representante dos interesses de uma das partes passou a ter papel fundamental na solução do litígio. O advogado, assim como todo o judiciário e a comunidade em geral sempre devem ter um olhar para a parte mais frágil das relações familiares, pois é um dever de todos nós enquanto cidadãos prezar pelo melhor interesse das crianças.


O Estatuto da Criança e do Adolescente nos ensina, em seu Art. 4º que “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”


Assim, o profissional da área jurídica tem obrigação de, representar da melhor forma os interesses de um dos lados da relação, mas jamais esquecer que a prioridade é o bem estar da criança!

Vanessa Ferranti

Advogada OAB/RS 108.396

(54) 99963.7147

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